domingo, 27 de julho de 2008

VIA ALGARVIANA VISTA PELOS MEUS OLHOS

Tudo aconteceu porque alguém teve a brilhante ideia de criar uma rota pedestre a travessar o Algarve, partindo de Alcoutim até Cabo de São Vicente. A caminhada da qual eu tive o privilégio de participar na companhia de mais cinco caminhantes, teve inicio em 21 de Abril e acabou em 4 de Maio de 2008. Foram 14 dias em que se percorreram aproximadamente 300km de poeirentos caminhos através das serras e do barrocal.

Não vou, neste blogue, descrever detalhadamente tudo o que se passou e tudo que eu vi, vou sim e através de um texto resumido, dar ênfase ao que mais importante, no meu fraco entender, se passou durante estes dias de caminhar e viver uma aventura na companhia destes simpaticos amigos.

Eu entendi auto nomearmos de "os seis magníficos" pelo simples facto de todos termos concluído o que nos propusemos atingir na partida de Alcoutim. Com mais ou menos sacrifícios, conseguimos dar notoriedade a esta travessia, que quanto eu sei, está já a ser procurada por muitos pedestrianistas.

Devo começar por comentar a foto que inseri na faixa lateral e que se reporta ao grupo, sedo que da esquerda para a direita são: Fernando Santos, algarvio por vocação e alentejano de nascença e que veio de Albufeira, Alberto um espanhol simpático de Málaga, Jurgen alemão de Hamburgo e bastante conhecedor do nosso Portugal, Margarida a única senhorita do grupo e que veio de Tavira, João Ministro da Associação Almargem de Loulé em que foi nosso guia e coordenador e por ultimo, não sendo o ultimo, o nosso enfermeiro de serviço, o Mário que veio de Monchique.

Apresentado o grupo, posso dizer que foi com muito entusiasmo que partimos para esta aventura, eu em particular com uma grande vontade de percorrer todos aqueles quilómetros e apreciar em detalhe, tudo que eu vi e ouvi. Vi uma natureza pungente e de uma beleza que me apanhou de surpresa, eu que pensava conhecer o Algarve, desconhecia que o seu interior era tão bonito e com paisagens dignas de aparecerem em documentários a mostrar o nosso país. Pena é que só se divulguem as praias e os hotéis e resortes do litoral. Já ouvi da boca de um turista italiano dizer que no seu país só mostram o Estoril e falam do vinho do Porto, outro, um inglês perguntou-me como sair da ilha do Algarve pois queria ir conhecer mais Portugal...isto só demonstra que muito ainda se tem de fazer alem de pôr dois "L" no Algarve.

Fomos recebidos pelas populações com um misto de desconfiança, natural dado ao seu isolamento, mas seguido de uma entrega total e uma satisfação que deu gosto ver. São gentes humildes, como eu, que vivem num campo condenado á morte futura, de momento já são só os nossos velhotes que se mantêm agarrados á terra, mas quando esta velha geração acabar, eu antevejo uma morte certa da nossa lavoura e consequente desertificação, já notória, do nosso interior e consequente retorno á natureza selvagem dos campos devido ao seu abandono, isto é o resultado das politicas erradas e já de longa data e que foram seguidas por gentes que de terra e lavoura nada sabem. Eu tive a sorte de ter conhecido o Algarve á mais de quarenta anos, quando o Algarve pertencia aos algarvios e tão diferente ele era, lembro-me das amendoeiras em flor até perder de vista, os povoados cheios de gente e gente alegre, o "corridinho" ouvia-se a cada esquina...que saudades.

Voltando á realidade e á caminhada, como umas semanas antes choveu abundantemente, as ribeiras iam cheias de água, em especial a da Foupana da qual guardo especial recordação. A fauna também era abundante, em especial para os casais de perdizes que esvoaçavam e fugiam com a nossa aproximação, mas também vimos uma cegonha preta, melros, rouxinóis, águias, etc. Nos repteis foi a vez de se ver cobras e lagartos, lagartixas e rãs... a propósito de cobras e lagartos, tive a oportunidade de ter uma cobra de escada nas minhas mãos, quero dizer, segurei uma cobra de uns metro e qualquer coisa pelo rabo, pois que é uma das duas maneiras de se agarrar uma cobra, para os leigos devo dizer que a outra maneira é segurando a cabeça pelo pescoço. Da primeira ela, a cobra, fica praticamente sem reacção, da segunda ela enrola-se ao nosso braço e é de mais difícil controle, mas para quem tem experiência e conhecimento, não há perigo algum, no entanto não aconselho ninguém a fazer sem ter conhecimento de como deve fazer.

Já o caso muda de figura, quando em Monchique deparámos com uma víbora cornuda a "bronzear-se" na estrada. Este animal devido á sua agilidade e tamanho só deve ser manuseada com as necessárias protecções e claro, conhecimentos de como fazer, isto posso vos afirmar por conhecimento de causa já que vivi muitos anos em África... e aí sim, há cobras e que cobras!

Voltando novamente á realidade, pernoitámos em diversos locais, desde escolas desactivadas, instalações gimnodesportivas, instalações de bombeiros voluntários e até numa casa paroquial no meio de Santinhos a vigiar o nosso repouso e descanso.

Houve quem sofresse com bolhas nos pés, o Jurgen foi o mais infeliz, dava dó de ver o estado dos seus pés, por duas vezes teve de ser evacuado a meio da etapa por impossibilidade de caminhar, mas a sua perseverança, característica de um bom alemão, não o deixou desistir de chegar ao fim e devo já acrescentar que num esforço final, correu até ao muro do conjunto do farol do Cabo de São Vicente.

Tivemos a sorte de em Alte haver festa rija com bailarico e musica com fartura, cantares tradicionais e musica pimba sim senhor, porque hoje em dia festa para ser festa tem de ter musica pimba. Outra festa e de romba foi em Marmelete, meteu porco assado e cerveja com fartura, mas o jantar na tasca do Petróleo não ficou a traz.

Houve etapas mais curtas, outras mais longas, devo fazer reparo da que mais gostei e que foi a de Vaqueiros a Cachopo, não podendo esquecer a Dona Otília que é uma senhora cheia de qualidades e que tem a divulgação e animação de Cachopo a seu cargo. Outra etapa que quero destingir por ser a mais difícil e penso que a mais longa, foi Silves até á Picota. Na Picota deu para eu ver o que já tinha caminhado e o que faltava para acabar, nem queria acreditar no que via.

Depois de Foia, praticamente foi sempre a descer até ao final.

Em vários dias intercalados, houve quem se nos juntasse e percorressem alguns quilómetros connosco, dando alegria extra ao grupo que apesar de cansados, alinhavamos naquela jovialidade contagiante de alguns. Tivemos muitos estrangeiros também a participar na caminhada e no dia final o grupo deve ter ultrapassado as duas dezenas e meia de caminhantes.

Á despedida houve um lanche oferecido pela Almargem e foi com emoção e um nó na garganta que me apartei do grupo e voltei a casa e aos meus familiares e amigos do dia a dia.

Não vou mencionar nomes, até porque não os sei todos e não quero suscitar melindres, mas não posso deixar de salientar a organização da Almargem e do João Madeira que foi incansável no transporte das nossas mochilas, em especial a minha que pesava 24 quilos.

Esta caminhada, para mim, serviu de teste para uma grande que pretendo fazer e que será de Albufeira até Santiago de Compostela. Tudo estava preparado para dar inicio agora no dia 1 de Setembro, mas infelizmente e por motivos graves pessoais, tive de adiar... mas não desistir.

Muito ficou por dizer, muito eu tenho de recordação, muito eu aprendi e jamais esquecerei esta bela VIA ALGARVIANA. Os meus agradecimentos á Almargem por me terem convidado a participar, os meus agradecimentos ao grupo por me terem apoiado e aturado e um bem haja a toda a gente que nos recebeu bem por onde passamos. Eu...o papaleguas.

terça-feira, 15 de julho de 2008

PEDESTRIANISMO.

CAMINHADA A STA. CLARA DE SABÓIA.
No passado dia 2 de Novembro de 2007, pelas 7.30 da manhã, saí de casa a caminho da estação de comboios de Albufeira situada nas Ferreiras. O destino era apanhar o combóio regional das 8.07 com destino ao Pinhal Novo. Seria o destino do comboio, mas o meu seria Pereiras-Gare a poucos quilómetros de distância. Como acontece a todos os passageiros, fui controlado pelo revisor que ao se aperceber que transportava uma mochila às costas e que iria sair num apeadeiro na serra, perguntou-me qual seria a minha aventura tendo ficado surpreso ao saber que iria a pé até Santa Clara de Sabóia, o que não sabia é que para mim não passava de um passeio normal pelo meio da natureza, não querendo vangloriar-me, na realidade, para mim não constitui dificuldade física praticar estas caminhadas.
Pelas 8.40 cheguei a Pereiras-Gare, um apeadeiro numa aldeia que se espalha para sul a partir da linha de comboio, com uma razão simples, é que para norte da via-férrea é sempre a subir e o caminho que iria iniciar de seguida era para norte, logo, a subir. A aldeia àquela hora matinal já tinha algum movimento de pessoas, algumas senhoras a caminho da mercearia, outras a caminho do talho, outras havia a acompanhar os filhos, enfim, o movimento natural da vida de uma aldeia também normal, sem grandes habitações, uma arquitectura popular com características alentejana com misturas algarvias, já que ambas se confundem facilmente. As ruas que percorri eram todas asfaltadas e estavam limpas. A igreja é sem sombra de dúvidas o edifício que dá nas vistas pelo seu tamanho e pela alvura das suas paredes que sobressaem no meio dos telhados vermelhos do casario que a rodeia. Os habitantes olhavam-me com surpresa pois que acredito não ser decerto vulgar para aquelas paragens aparecer um forasteiro madrugador e com uma mochila às costas, vestindo calções, calçando botas e com um chapéu invulgar na cabeça. Enfim, o retrato de um desmiolado que apareceu no comboio da manhã.
Começo a caminhada a partir desta aldeia, na direcção de Fitos e como disse a traz, vou ter de subir umas boas centenas de metros debaixo de um céu com um sol que prometia vir a ser abrasador, porem a atmosfera estava límpida com uma visibilidade que me deixava ver a paisagem até onde a vista alcançava. A subida não sendo difícil era bastante inclinada e levou-me até aos 214 metros de altitude sendo a partir daí uma descida sinuosa mas suave por entre as colinas e picos que compõem a Serra da Burra. Predominavam as estevas e os sobreiros com algumas manchas de eucaliptos encravados no meio daquela vegetação. Era bastante seca a terra, raras amostras de água apareceram por aquelas bandas e a fauna também era muito escassa, tirando um ou outro coelho e algumas lagartixas, pouco mais vi. Tudo isto era compensado com as panorâmicas que me envolviam e que eram impressionantes de beleza quando alcançava os cabeços. Via a Serra de Monchique para sul e a Serra do Caldeirão para nascente, esta porem apenas conseguia ver os contornos pois que estava no contra luz e a distancia era superior talvez a uma centena de quilómetros. A partir do sítio de Fitos do Moinho, o caminho acompanhou por várias centenas de metros, a Ribeira de Fitos, ribeira que levava pouca água por sinal, mas que era suficiente para manter a zona envolvente com um verde luxuriante e com algumas hortas, aqui e ali espalhadas por aquela estreita planície porem sem sinal de vida humana. Perto de Receadas encontrei uma regua composta com meia dúzia de jumentos, animal já raro de se ver, porem ainda são utilizados por alguns aldeões mais idosos ou conservadores, ou ainda porque a agricultura que praticam é de subsistência e não dá para se darem ao luxo de possuírem um tractor. Foi aqui em Receadas, também, que me deparei com uma escola primária, daquelas típicas que foram construídas no tempo do Estada Novo e que agora estão a ser desactivadas pelo Novo Estado, porque não há crianças… ou não há condições para haver. Apesar de estar desactivada, a escola ainda se mantêm em boas condições e seria talvez um pequeno edifício que poderia ser usado para apoio ao turismo da natureza que se está a desenvolver e que se fosse mais acarinhado por quem tem o dever de governar, este turismo poderia trazer mais gente para o interior da serra e todos ficariam a ganhar. Temos um país com um clima que faz inveja a toda a Europa, até a nossa vizinha Espanha não tem um índice de horas de sol tão grande como o nosso, pelo que é de lastimar que só se divulgue o sol nas praias e muito pouco ou nada se está a fazer para divulgar o nosso interior serrano. Para os estudiosos da natureza, biólogos e botânicos, até para os arqueólogos, o nosso país é um paraíso para descobrir, à que tirar proveito desta situação e explorar este tipo de turismo. Não é apenas o turismo de massas que traz dinheiro para Portugal, este turismo especializado e de pequenos grupos, com muito menos investimento, possivelmente traria mais dinheiro e poderia fixar as populações no interior do país. Veja-se o exemplo da zona dos Alpes, encontram-se pequenos grupos familiares que dão apoio aos pedestrianistas e trepadores de montanha no cimo daqueles picos, tirando partido de uma lavoura de subsistência, divulgando produtos caseiros típicos das regiões e atraindo pessoas que ao se deslocarem a esses lugares, estão a deixar riqueza por onde vão passando.
Depois de este aparte, volto à minha caminhada, desta feita para dizer que foi aqui em Receadas que abandonei o caminho para Fitos e embrenhei-me num trilho sinuoso e com alguma dificuldade pela inclinação que tinha. Em poucos metros passei dos 138 para os 228 metros de altitude, de tal maneira penoso de vencer que ao atingir o ponto mais alto, a nascente havia um moinho cujo acesso era, se possível, ainda mais difícil de vencer, pelo que me faltou a coragem para satisfazer a minha curiosidade em o ir visitar. Ao longo de todo o percurso, vou mantendo contacto com a família via telemóvel, mas a dificuldade em ter rede é demais evidente devido à natureza do terreno e também à falta de antenas reprodutoras do sinal. Nestes pontos mais elevados tinha de aproveitar para fazer um pouco o ponto da situação e manter mulher e filha descansadas e confirmar que tudo estava bem.
Nesta altura, já se aproximava o meio do dia pelo que a temperatura já rondaria talvez os 25 graus, bem diferentes dos 11 graus que encontrei quando sai do comboio. Como o caminho e agora este trilho eram bastante largos, as sombras eram também escassas o que significa que grande parte do trajecto foi feito debaixo daquele sol radioso.
Este trilho entroncava com o caminho que parte de Rio Torto e que acaba perto da barragem de Sta. Clara. Este caminho tinha uma sinuosidade mais acentuada que o dos Fitos, mas ao contrário do outro, este era ladeado por densas áreas de eucaliptos, criando mais sombras e tornando-o mais fresco e agradável de percorrer. Aqui já se podiam ver mais casas de recente construção, misturadas com alguns casebres, notava-se a presença da influencia de povos estrangeiros que habitam naquela serra e que ao contraio de muita gente, ali vivem no esplendor daquela natureza e sem receios, talvez e apenas com receios dos fogos que todos os anos tem fustigado aquelas serras
Por ser perto das 13 horas, resolvi aproveitar uma sombra mais acolhedora e parei para almoçar, umas tostas tipo dinamarquesas, acompanhadas com pedaços de queijo de ovelha curado, linguiça portuguesa, tudo regado com uns bons sumos de frutas. Teve também direito a fruta e uma tablete de cereais como sobremesa. Nas caminhadas, como muito pouco comparado com o que normalmente costumo comer, no que toca a beber aí a conversa muda de tom, bebo muita agua, por média um litro por cada dez quilómetros o que significa que também transpiro muito, talvez devido a eu ser por natureza um «papa-léguas» quero dizer que caminho com vigor e determinação, atingindo uma média de 5km hora e podendo fazer oito horas por dia, significa um total de 40km diários.
Depois de retemperado, voltei ao caminho e poucos minutos depois e pela primeira vez em todo o percurso já feito, eis que aparece um jeep com um casal de ingleses espantados com a minha presença naquela zona. Se estavam admirados ainda mais ficaram quando lhes disse qual o meu destino final e para aquele dia, até me perguntaram se eu estava bem, pensando que talvez eu tivesse fugido de algum manicómio…desejaram-me a continuação de boa caminhada e eu segui com o que mais gosto de fazer nestes momentos…caminhar. Perto do sítio de Garrão vislumbrei por entre o arvoredo, as águas azuis da albufeira da barragem de Sta. Clara. Foi também aqui que os eucaliptos começaram a dar espaço a alguns montados de sobro. As paisagens agora com a presença de agua eram formidáveis de se apreciar, felizes os que não têm problemas de visão para poderem apreciar toda esta beleza natural, não conheço máquina que consiga representar o que os nossos olhos conseguem ver. Parei por momentos e varias vezes, para poder observar o que me rodeava e era lindo. Mais afrente um moinho transformado em habitação, situado numa colina, tinha uma localização estratégica sobre as águas da albufeira, pena que tenham alterado demasiado a arquitectura do imóvel, tirando quase na totalidade as suas características de moinho. Segui caminho e por entre eucaliptos e sobreiros, subindo e descendo cabeços, cheguei ao sitio de Amorosa onde fui visitar um outro moinho, desta feita, intacto na sua arquitectura e a uma cota de 257m de altitude. Mais uma vez, panorâmicas soberbas e já dava para ver na distância a barragem de Sta. Clara bem como a localidade de Santa Clara a Velha. Lindo, muito lindo…hei-de lá voltar, vale a pena repetir tudo de novo.
Voltei ao caminho principal e voltei a cruzar-me com um veículo, desta feita uma carrinha de caixa aberta que transportava um casal dentro da cabina e um outro passageiro na caixa de carga. Ao invés do que o casal de ingleses tinham feito anteriormente, este condutor selvagem, para não usar outros adjectivos mais adequados, acelerou a viatura e no meio de uma poeirada enorme passou tão perto de mim que para minha segurança resolvi sair do caminho e enfiar me no meio das estevas, penso que o cavalheiro que ia ao volante se deve ter sentido um herói ou coisa que o valha, enfim um estúpido ignorante qualquer. Nas caminhadas, muitos acidentes se têm verificado devido a comportamentos destes, por estas e por outras parecidas, sempre que uma viatura se aproxima, eu fico logo de sobreaviso e preparado para uma fuga de emergência. Infelizmente são demasiados os comportamentos como o deste cavalheiro, não compreendendo que põem em rico a vida humana para se divertirem com algo que de piada nada tem. Este incidente não estragou a minha passeata. Com a aproximação da barragem, apareceram mais casas, um aglomerado delas deu por fim ao caminho de terra e passou a estrada asfaltada e logo a seguir o desvio para a parede da barragem e também o acesso à pousada que ali existe e que por sinal até já lá passei um fim-de-semana muito agradável, recordo-me até de lá ter comido uma sopa de tomate da avó que de tão boa, só não repeti por vergonha.
Na outra margem da barragem, vi à distância um grupo de auto caravanas estacionado e os seus ocupantes num bom piquenique à boa maneira inglesa, pessoas já com alguma idade e que sabem gozar à sua maneira, os prazeres da natureza, só é pena que alguns deixem lixo e restos para traz, conspurcando os locais de todos e para todos.
Voltei à estrada e agora envolto em mimosas, outra praga nas nossas florestas, comecei a descer a caminho de Sta Clara a Velha a uns cerca de 5km de distância. Pequena freguesia mas com algum movimento pois que é atravessada pela estrada nacional 266.
Depois de uma curta conversa com dois velhotes alentejanos que se encontravam à sombra de uma arvore a ver os carros passar, tomei o caminho de Sabóia, o comboio já vinha a caminho, embora eu estivesse muito adiantado, neste momento seriam umas 17 horas e o comboio só era esperado pelas 19.30. Com atenção redobrada, visto estar a caminhar numa estrada nacional e com tráfego de pesados intenso, caminhei para a estação que distava outros 5km o que levaria uma hora a percorrer.
Chegado à estação ferroviária deparei me com a mesma desactivada para passageiros o que me deixou um bocado preocupado pois fiquei com receio que o comboio que me levaria de volta a casa, não parasse ali. Um funcionário a segurou-me que o comboio pararia sim senhor e na plataforma nº 2 e então mais descansado das ideias, pude apreciar o edifício da estação que não esta degradado e que ainda tem em muito bom estado uns painéis em azulejo com desenhos representativos de Sta. Clara de Sabóia e da vila de Monchique.
O movimento da estação está restrito só ao movimento de carga e despacho de madeira de eucalipto. São camiões a seguir a camiões a transportar toros de eucalipto para serem carregados em vagões cujo destino são as fábricas de celulose e pasta de papel. Como apreciador do caminho-de-ferro em si, tive a oportunidade para apreciar todo aquele movimento, os detalhes de uma locomotiva a diesel que já com os vagões engatados, aguardava pela autorização para entrar na linha principal e seguir viagem, o que levou bastante tempo, pois que de Faro vinha o comboio pendular, que pela sua velocidade teve de passar primeiro. E o de mercadorias lá seguiu no meio de chiadeira de ferro com ferro e apitos da maquina a avisar que se aproximava de, possivelmente alguma passagem de nível.
Fez-se noite, o sol acolhedor deu lugar ao frio e eu em calções comecei a sentir a falta de um bom par de calças… e o comboio tardava. Ninguém me acompanhava na estação, os seus funcionários, dois apenas, depois da partida da composição de mercadorias, meteram-se nas suas viaturas automóvel e foram ás suas vidas… e o comboio tardava. Deixou de haver movimento de camiões… e o comboio tardava e o tempo parecia que não passava. Até que um silvo se ouviu à distância, na escuridão da noite… será que pára… será que não pára… será que é nesta plataforma ou na outra? Verifiquei os sinais tipo semáforos para saber em que linha ele daria entrada, fiquei na duvida… e se não pára? A bateria do telemóvel estava descarregada… e depois como vai ser? Vou ter de ir a pé durante a noite até casa?... E se ele não pára?
O comboio aparece por fim ao fundo na curva, vem com muita velocidade… não vai parar… estou tramado.
Afinal e no meio de chiadeira de travões de ferro imobilizasse na minha frente e as portas abriran-se, saiu um estrangeiro, curiosamente com uma mochila ás costas, devia de ser um louco que anda a pé….


A distância percorrida a pé, entre Pereiras Gare e a estação ferroviária de Sabóia foi de 25 quilómetros aproximadamente, medidos através do sistema do Google-Earth.

Carta topográfica utilizada para a orientação no percurso foi parcialmente fotocopiada de uma carta militar e executada pelo Instituto Geográfico do exército. Folha nº 570 escala 1: 25.000 Série M888 Edição de 2007

O caminheiro: Fernando Fonseca Silva Santos



Idade: 61 anos
Naturalidade: Portalegre

Autor do texto e fotos inse-
ridas: O «papa-léguas»